segunda-feira, 8 de março de 2010

Twitter: a última fronteira da segurança pública



Fonte: http://www.comunidadesegura.org
Data: 05/03/2010




Colaborou Marina Lemle

Falar sobre segurança pública em 140 caracteres. Tarefa difícil? Não é o que parece. São postagens assim – curtas, abreviadas, sintéticas e carregadas de opiniões – que vêm pipocando no Twitter. A rede social que virou o xodó dos internautas brasileiros tornou-se um espaço permanente de discussão sobre segurança pública.

Os atores desse palco de ideias virtuais são variados: jornalistas, pesquisadores da área de segurança já estão por lá. Mas a novidade, já adiantada pelos blogs, é a possibilidade de qualquer um participar dessa discussão. Entra em cena uma parcela da sociedade muito envolvida e atingida pelo cotidiano da violência: os policiais.

Se as forças policiais falavam por meio da imprensa, com a descoberta dos blogs e do Twitter, eles passaram a tratar diretamente com quem se interessa pelo assunto: seus seguidores. E eles não são poucos. O crescimento da blogosfera e da twittosfera policiais brasileiras comprovam que os profissionais de segurança aprenderam a se apropriar das novas ferramentas de comunicação que vão surgindo na web. Se há quase um ano a plataforma social explorada como novidade pelos policiais eram os blogs, hoje sua arma mais letal é o Twitter.

Isso não significa que os blogs tenham sido abandonados. A limitação a poucas palavras nos tweets faz com que muitos blogueiros usem a ferramenta – que nada mais é que um microblog – para divulgar links que levam a um conteúdo mais extenso, completo e aprofundado, que continua a ser postado na blogosfera.

anabela_paiva_edit.jpgQuem confirma isso é a pesquisadora Anabela Paiva (foto/retirada do Twitter de Anabela Paiva), do Centro de Estudos sobre Segurança e Cidadania, da Universidade Cândido Mendes (CESeC). Ela é co-autora do estudo “Blogosfera policial: do tiro ao Twitter” e a responsável por incluir a menção ao Twitter no título do estudo. Embora o documento priorize os blogs, Anabela arrisca algumas opiniões sobre a twittosfera policial.

"Aparentemente, o uso do Twitter por policiais, quando aplicado a assuntos profissionais, se destina a dar visibilidade aos blogs. Uma das qualidades do Twitter é o fato de permitir a rápida mobilização em torno de um tema – importante em caso de movimentos reivindicatórios corporativos”, explicou. O estudo do CESeC, no entanto, não identificou a quantidade de policiais que estão atuando no Twitter. “Até porque muitos participam da rede de microblogs como simples internautas, interessados em vários assuntos, e nem mesmo mencionam ser da polícia ou sua patente em seus perfis”, explica Anabela.

Poder de denúncia

Rede que exerce um protagonismo social em todo o globo – foi fundamental durante a campanha de Barack Obama à presidência dos EUA e canalizador dos protestos contra as eleições do Irã –, o Twitter se mostrou uma ferramenta viável para a publicação de denúncias e críticas por policiais insatisfeitos com sua rotina de trabalho, salários ou irregularidades na corporação.

O panorama da twittosfera policial brasileira se assemelharia bastante ao da blogosfera se não fosse uma diferença crucial: enquanto nos blogs identifica-se quase sempre quem está escrevendo, o Twitter incita o anonimato – é muito fácil se registrar, postar, não é preciso elaborar o texto. O perfil Boca de Sabão é um bom exemplo.

O @bocadesabao (foto ao lado) – expressão que no jargão policial quer dizer fofoqueiro – foi criado em abril de 2009. A ideia de criar um Twitter veio de um dos integrantes do grupo, que já era familiarizado com internet e redes sociais. “Quisemos aproveitar a popularidade do Twitter, havia um espaço vago. O espaço em blogs já estava saturado. Quatro pessoas possuem a senha do perfil, mas o grupo é bem maior quando se conta com colaboradores, fontes e checadores de denúncias”, contam os policiais anônimos.

bocadesabao_edit.jpgAs ideias para as postagens feitas no @bocadesabao têm diversas origens: vêm tanto do cotidiano dos policiais, das denúncias recebidas no email – quase 50 mensagens por dia –, de conhecidos e desconhecidos, além de reportagens publciadas na mídia em geral. “Gostamos de denunciar oficiais que extorquem praças no interior dos quartéis. Isso é um absurdo sem tamanho. Falamos muito também sobre jogo do bicho, porque muitos policiais consideram um dinheiro limpo pra se ganhar”. O @bocadesabao tem mais de 2.600 seguidores.

Mas o uso do Twitter pelos policiais não se resume às críticas. A boa relação do policial militar da Bahia Danillo Ferreira com o Twitter vem de longa data. Criador do blog Abordagem Policial com mais três policiais baianos, ele se rendeu ao Twitter em abril de 2008. “Para mim o Twitter tratava-se de mais uma nova possibilidade de interação com o público. Com o tempo, pude entender o seu poder de comunicar rapidamente, de modo simples. Acabei utilizando o Twitter para integrar o profissional de polícia, que as pessoas já conheciam no blog, com o indíviduo Danillo”. Seu perfil @danilloferreira mistura postagens referentes à vida pessoal e a seu trabalho.

Imprensa e Twitter

O Twitter não inovou somente ao trazer à tona a opinião dos policiais – também os experientes jornalistas se viram diante de uma dinâmica virtual nova, versátil e com potencial para ser explorado. É o caso de Jorge Antonio Barros, editor adjunto da editoria Rio, do jornal O Globo, e autor do blog Repórter do Crime, no Globo Online. "Mais do que nunca, é preciso 'cantar'. O Twitter é o canto dos desesperados, dos solitários, mas daqueles que não desistem de botar a voz a serviço de uma causa”, filosofa.

Barros diz usar o Twitter para várias funções. Algumas já esperadas, como distribuir, apurar e checar informações relativas à violência, criminalidade, segurança pública, justiça e cidadania. A plataforma social, porém, trouxe ao seu trabalho novas tarefas como monitorar perfis de formadores de opinião e reúne fontes. “Uma das vantagens em se colecionar fontes no Twitter é chegar na frente delas. Não esperar apenas que twittem, mas até provocar alguns deles a twittar”, revelou Barros.

Anabela Paiva reitera a importância do Twitter em ser uma forma de o jornalista angariar fontes. “Os repórteres também se valem das redes sociais para isso – o que é extremamente importante, já que nossas pesquisas no CESeC têm mostrado que há dificuldade entre os jornalistas em obter fontes além das oficiais”. Anabela acredita que o percentual de civis que acessa diretamente os Twitters de policiais, além dos jornalistas e pesquisadores da área , ainda é bem pequeno. “A maioria vale-se da imprensa como um filtro para selecionar os temas mais relevantes”, explica.

Jorge Barros vê ainda no Twitter a possibilidade de criação de redes de proteção individuais. “Qualquer veículo de comunicação contribui para melhorar o cenário da segurança, porque esse também é um problema de comunicação. Se as pessoas criarem suas próprias redes de proteção, por meio do Twitter, por exemplo, já teremos evoluído sem depender exclusivamente da gestão da segurança pública em si. Se a polícia não é capaz de proteger as pessoas com eficiência, elas devem buscar os meios legais de fazer isso. A informação precisa e rápida é um deles”, avalia.

Barros mantém três perfis no Twitter: o @reporterdecrime, que reproduz links diretamente para seu blog e também fala sobre segurança pública, com tom menos formal e mais apimentado. “Os outros são o @Noticiasda2016 e o @redecontracrime, este último mais pretensioso porque tem o objetivo de formar uma rede de internautas que troquem informações sobre situações de risco para os cidadãos do Rio e informe em tempo real o que está acontecendo de perigoso na cidade”, explica o jornalista-blogueiro-twitteiro.

A principal expectativa do jornalista em relação ao Twitter é que “ele cumpra a função social de agregar as pessoas em torno do tema da violência no Rio de Janeiro”. Pelo burburinho atual suscitado pela rede social, Barros deve estar satisfeito. E, na opinião de Anabela, a tendência é que as discussões no ambiente digital influenciem, sim, a agenda pública, na medida em que os tópicos levantados na web repercutem em outras instâncias.

O que mais interessa à grande imprensa no Twitter, em geral, são as denúncias. Segundo os policiais do @bocadesabao, devido à repercussão dada pela mídia a algumas denúncias postadas na rede social, já foram obtidos resultados concretos, que, segundo eles, não aconteceriam sem essa projeção. “Comandantes de batalhões foram substituídos devido a denúncias feitas por aqui e replicadas na imprensa”, orgulham-se. Para eles, se a denúncia não atinge o conhecimento da mídia, não se tem muito resultado.

Twitter, polícia e sociedade

jab_silvia_ramos_edit.jpgAnabela Paiva é otimista quanto ao futuro do diálogo entre policiais e a sociedade através das redes sociais. “Existe um potencial fascinante e revolucionário de democratização e qualificação das relações entre polícia e sociedade. No dia em que for hábito do cidadão de determinado bairro seguir no Twitter o perfil do comandante do batalhão da sua área, ou quando grande parte da população aderir ao Twitter nos celulares e usar a rede para se comunicar direto com a tropa, aí sim teremos a chance de estabelecer uma troca realmente renovadora para o cenário da segurança pública”, prevê.

A pesquisadora do CESeC alerta, no entanto, para o aumento da responsabilidade dos gestores da área de segurança em prestar contas à sociedade. Ao mesmo tempo, para ela, será possível mobilizar o cidadão em favor de políticas de segurança e atuar diretamente na formação da opinião pública sobre as autoridades.

Dos blogueiros/twitteiros entrevistados para o estudo sobre a participação de policiais em redes sociais feito pelo CESeC, 17% disseram considerar suas páginas um serviço público. “Sem dúvida, o Boca de Sabão presta um serviço à população. Estamos ensinando o que é, de fato, a Polícia Militar do Estado do Rio a pessoas que nunca teriam oportunidade para tal”, afirmam os policiais anônimos.

Empolgado com a participação de policiais nas redes sociais, Danillo também não hesita. “Não tenho dúvidas. São meios de interação entre a sociedade e a polícia. Expressamos nossas opiniões, nos posicionamos, reivindicamos, reclamamos de condições de trabalho. E damos à sociedade respostas aos questionamentos existentes. Os twitteiros estão dando à sociedade uma abertura inédita na política de comunicação das polícias brasileiras”, comemora Danillo.

Elogios e punições: a resposta da corporação

Sobre os perfis que atacam a polícia, Anabela Paiva relativiza. “Não diria que os twitters policiais são exatamente vozes dissonantes dentro das corporações, no sentido de irem contra toda a tropa. Eles podem, sim, ser dissonantes em relação às posturas oficiais. É claro que em instituições que abrigam corpos tão numerosos quanto a PM existem visões divergentes sobre os assuntos mais importantes. Parece natural encontrar esta pluralidade representada na internet”, pondera a pesquisadora.

Quem já coleciona punições devido a postagens em blog e Twitter é o policial militar Wanderby Medeiros, da PMERJ. Blogueiro convicto, ele decidiu criar um perfil no Twitter, o @Wanderby, em fevereiro de 2009. De lá para cá, Medeiros conta já recebeu uma repreensão por escrito da corporação e que já havia sido punido pelo blog. “Acho que a participação de policiais nessas redes, expressando o que pensam e interagindo com outras pessoas é algo salutar à democracia e ao aprimoramento de suas instituições”, opina.

O twitteiro Danillo Ferreira, da Polícia Militar da Bahia, é um exemplo de quem já teve boa resposta de sua chefia em virtude de seu ativismo digital. Após suas postagens no Twitter e no blog Abordagem Policial, ele recebeu elogios do comandante-geral, que decidiu aproveitar a familiaridade de Ferreira com a tecnologia de redes sociais em benefício da corporação. “Ele me requisitou para ajuda na implementação de um blog e de um perfil no Twitter da PM do estado, além de um canal de vídeos da corporação no Youtube e um álbum de fotos no Flickr", conta.

Futuro do Twitter

O ambiente da twittosfera policial ainda pode crescer, já que nem todos os profissionais ligados à área de segurança pública dominam a ferramenta social nem têm noção exata do que pode ser postado. O assunto continua suscitando bastante interesse. Tanto é que no IV Encontro do Fórum Nacional de Segurança Pública, que acontece entre os dias 15 e 17 de março, em São Paulo, haverá uma oficina de Twitter e blogs especialmente para policiais ministrada pelos policiais twitteiros Danillo Ferreira e Robson Niedson. Foi o que adiantou ao Comunidade Segura a pesquisadora Silvia Ramos, também do CESeC.

Em outro evento de abrangência nacional, a Campus Party – encontro de inovação tecnológica que aconteceu no mês de janeiro deste ano, também em São Paulo – os policiais Ferreira e Niedson estiveram juntos ao lado de vários outros policiais internautas. “Lá as discussões se concentraram na atuação das mídias sociais nas corporações. Pudemos ver as experiências em empresas privadas e em outras organizações desses novos modos de se comunicar, dentre eles o Twitter”, conta Ferreira.

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