terça-feira, 26 de janeiro de 2010

GOFFMAN E OS MILITARES: SOBRE O CONCEITO DE INSTITUIÇÃO TOTAL1

Celso Castro2

A socialização militar ocorre em estabelecimentos relativamente autônomos em
relação à sociedade abrangente. Essa autonomia, vale enfatizar, é relativa. Ao fazer essa afirmação, não pretendo, de forma alguma, dizer que há uma separação de fato, em termos de interação social. O que busco é chamar atenção para a força do processo de construção de fronteiras simbólicas que está na base da identidade militar. Esse processo leva à percepção de qualidades claramente distintivas entre “militares” e “civis” (ou “paisanos”), entre o “aqui dentro” (o “meio” ou “mundo militar”) e o “lá fora” (o “meio” ou “mundo civil”).3

Um dos conceitos mais comumente utilizados para dar conta dessa qualidade da
instituição militar é sua classificação como uma instituição total. Esse conceito foi
utilizado pela primeira vez em 1957 pelo sociólogo canadense Erving Goffman para
designar “um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada.” (1974:11)4 Mais adiante, Goffman explica melhor sua definição:

“Uma disposição básica da sociedade moderna é que o indivíduo tende a dormir, brincar e trabalhar em diferentes lugares, com diferentes coparticipantes, sob diferentes autoridades e sem um plano racional geral. O aspecto central das instituições totais pode ser descrito como a ruptura”

1 Uma versão anterior deste texto foi apresentada oralmente no “Seminário Roberto Cardoso de Oliveira - transformações sociais e culturais no Brasil contemporâneo: perspectivas antropológicas”, realizado no
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ em 29/3/2007. Sou grato
a Gilberto Velho pelo convite para participar do evento. Agradeço também a Fernanda Chinelli e Piero
Leirner pela leitura atenta e pelos comentários feitos (e incorporados) a este texto.

2 Pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da
Fundação Getulio Vargas. E-mail: celso.castro@fgv.br.

3 Para um estudo sobre a construção da identidade militar, ver Castro (2004[1990]).
4 Erving Goffman, “Characteristics of Total Institutions,” in: Symposium on Preventative and Social
Psychiatry, Sponsored by the Walter Reed Army Institute of Research, the Walter Reed Army Medical
Centre, and the National Research Council, Washington, (Government Printing Office, 1957), pp. 43-93.
Este texto foi posteriormente revisto e incluído como primeiro capítulo de Asylums: Essays on the Social
Situation of Mental Patients and Other Inmates (New York: Doubleday Anchor, 1961), traduzido para o
português como Manicômios, conventos e prisões (Goffman, 1974).

das barreiras que comumente separam essas três atividades da vida. Em primeiro lugar, todos os aspectos da vida são realizados no mesmo local e sob uma única autoridade. Em segundo lugar, cada fase da atividade diária do participante é realizada na companhia imediata de um grupo relativamente grande de outras pessoas, todas elas tratadas da mesma forma e obrigadas a fazer as mesmas coisas em conjunto. Em terceiro lugar, todas as atividades diárias são rigorosamente estabelecidas em horários, pois uma atividade leva, em tempo predeterminado, à seguinte, e toda a seqüência de atividades é imposta por cima, por um sistema de regras formais explícitas e um grupo de funcionários. “Finalmente, as várias atividades obrigatórias são reunidas num plano racional único, supostamente planejado para atender aos objetivos oficiais dainstituição.” (p.18)

Goffman inclui quartéis (p. 17, 21) e academias militares como exemplos de instituições totais (pp. 24-25 e 55), embora utilize como referências básicas, para a construção de seu “tipo ideal”, as prisões e os manicômios. Quando se refere às academias militares, sua única fonte é o texto de Sanford M. Dornsbuch, “The Military
Academy as an Assimilating Institution” (1955), no qual o autor relembra e analisa sua
experiência como cadete da Academia da Guarda Costeira dos Estados Unidos.
Dornsbuch permaneceu nessa academia militar apenas dez meses, de um curso total de quatro anos.
De fato, colocando-nos na perspectiva de um cadete do primeiro ano de uma academia militar, o caráter “total” da instituição, no sentido dado por Goffman, parece
evidente. Na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), que forma os oficiais de carreira da linha bélica do Exército brasileiro, e onde realizei pesquisa de campo em 1987 e 1988, os alunos do primeiro ano são chamados informalmente de “bichos” (Castro, 2004[1990]).5 Em particular, o período inicial, enganosamente chamado “de
adaptação”, é repleto de exemplos de ruptura brusca com o mundo exterior. Desde o

5 Essa característica é de longa duração, podendo ser observada desde a academia militar do Império. Ver, a esse respeito, Castro (1995).

primeiro momento, entram em ação mecanismos daquilo que Goffman chama de
“mortificação do eu”, que retiram do indivíduo seu “kit de identidade” anterior, trazido
do “mundo de fora”. O mesmo pode ser afirmado para a fase inicial do serviço militar
obrigatório.6
No entanto, se nos colocarmos numa perspectiva mais holista, que envolva os quatro anos do curso, e mais além, que situe a experiência da formação na AMAN como uma etapa da carreira militar, o caráter de “instituição total” passa a ser visto como transitório e passageiro. Creio que, nessa perspectiva, se perde mais do que se ganha ao classificar como “total” a instituição militar, em particular as academias militares, pois as divergências com o modelo de Goffman são grandes, apesar de várias semelhanças formais.

Em primeiro lugar, inexiste uma divisão rígida entre equipe “dirigente” e interna” (inmates). Na cadeia de comando militar não há uma separação da mesma natureza. Embora haja uma barreira intransponível entre oficiais e praças, dentro dessas divisões existem fortes mecanismos de mobilidade social com base no mérito individual. Dentro do corpo de oficiais, as diferenças entre as posições são de grau, não de qualidade. O comandante e os chefes dos cadetes na AMAN já foram, um dia, cadetes – fato recorrentemente enfatizado. Ao contrário das instituições totais típicas, a comunicação informal e o estabelecimento de relações afetivas entre cadetes e oficiais
são crescentemente estimulados ao longo do curso. Embora o respeito e a precedência hierárquica devam ser sempre observados, busca-se o estabelecimento de vínculos afetivos entre cadetes e oficias. Estes devem, no cotidiano da vida militar, “dar o exemplo”, servindo assim de modelos para os cadetes.

Goffman também deixa claro (pp. 23-24) que, nas instituições totais, não se busca uma “vitória cultural” sobre o internado, mas a manutenção de uma tensão entre seu mundo doméstico e o mundo institucional. Essa tensão persistente é usada como
“uma força estratégica no controle de homens” (p. 24). Numa academia militar busca-se justamente uma “vitória cultural” e não criar uma “tensão persistente”: a academia é claramente vista como um local de passagem, um estágio a ser superado. Finalmente, é importante destacar que Goffman trata principalmente dos estabelecimentos de participação compulsória. Numa academia militar, ao contrário, só fica quem quer.

6 Ver, a esse respeito, Castro e Chinelli (2006).


Apesar dessas observações críticas em relação à utilização do conceito de “instituição total” para classificar a vida na caserna, reconheço que resta uma qualidade característica do mundo militar que é preciso de algum modo tentar definir. Ser militar não é uma profissão que se restrinja à jornada de trabalho. Pelo artigo 13, parágrafo 3º do Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980), a disciplina e o respeito à hierarquia — vistos como a base institucional das Forças Armadas — “devem ser mantidos em todas as circunstâncias da vida entre militares da ativa, da reserva remunerada e reformados.” Chamo atenção para o fato de que a obrigação se estende para além do serviço ativo, incluindo os aposentados, e também para a expressão “em todas as circunstâncias da vida”.

Mesmo fora dos quartéis, os militares estão formalmente sujeitos, por exemplo, a padrões prescritos de comportamento e aos limites impostos pelos “círculos hierárquicos”, definidos no artigo 15º do Estatuto dos Militares como “âmbitos de convivência entre militares de uma mesma categoria”, com a finalidade expressa de “desenvolver o espírito de camaradagem, em ambiente de estima e confiança, sem prejuízo do respeito mútuo.”7 Esses círculos hierárquicos regulam, por exemplo, regras
de comensalidade — sargentos e oficiais não podem sentar-se à mesma mesa. Não respeitar esses círculos levaria a uma das situações mais temidas pela instituição: a “promiscuidade hierárquica”.
Ao longo da vida militar, há também uma grande concentração de interações dentro de um mesmo “círculo social”, seguindo uma imagem da sociologia simmeliana. Com isso, o “mundo militar” torna-se mais diferenciado, enquanto a idividualidade de seus integrantes torna-se mais indiferenciada.8 Na vida militar, para além do ambiente de trabalho, os locais de moradia, de lazer e de estudo são também, em grande medida, compartilhados. Essa característica estende-se para cônjuges e filhos, englobando toda a “família militar”. A interação social endógena é estimulada, tanto formalmente, através eventos de confraternização organizados pela instituição, quanto informalmente, através de encontros sociais organizados por colegas de “família militar”. O papel das esposas

7 Círculos do Exército: OFICIAIS: Oficiais-Generais; Oficiais Superiores (coronéis, tenentes-coronéis e
majores); Oficiais Intermediários (capitães); e Oficiais Subalternos (tenentes). PRAÇAS: Subtenentes e
Sargentos; Cabos e Soldados.
8 Ver o capítulo 10 da Sociologia de Simmel (1939 [1908]), sobre a ampliação dos grupos e a formação
da individualidade.

(e, em certa medida, dos filhos) é fundamental. Há, inclusive, uma reprodução informal – porém óbvia - da hierarquia dos maridos entre as mulheres de militares.
Creio que se ganha mais pensando na instituição militar em termos de uma instituição totalizante. Este adjetivo é aqui usado para qualificar o ato de atribuir um caráter total. Totalizante deriva de totalizar, que significa calcular ou formar o total, ter
como total, perfazer um total.9 A mudança de caracterização — de total para totalizante — pretende caracterizar melhor uma experiência totalizadora e básica para a identidade militar, que engloba e fundamenta as características diferenciais entre militares e paisanos: a da preeminência da coletividade sobre os indivíduos. O resultado é a representação da carreira militar como uma “carreira total” num mundo coerente, repleto de significação e onde as pessoas “têm vínculos” entre si. O militar é, assim, produto de um
desenvolvimento especial do individualismo moderno, posto que profundamente marcado tanto por ideais meritocráticos quanto pela hierarquia – uma espécie de “individualismo hierárquico”.
No cotidiano da AMAN, a experiência da preeminência da coletividade sobre os indivíduos aparece claramente definida na fala de dois cadetes do quarto ano: “Então a carreira militar, ela pega um universo bastante global — uma das coisas que me fascinam. Ela te abrange no aspecto físico, no aspecto moral, espiritual, intelectual... Quer dizer, em todos os planos. E é isso que eu queria pra uma profissão: uma coisa completa.(...) Lá fora as coisas são muito desvinculadas. (...) As coisas ocorrem mais por interesse, mais por convivência diária ali, que é obrigado a ter, o que não acontece dentro do quartel. (...) aquilo que eu gosto no Exército é esse estilo de vida, em que você acha significado em tudo aquilo que você faz.”

“Me traz muita satisfação ter um uniforme, a consciência de fazer parte do Exército. A gente se sente bem porque não é uma partícula isolada na

9 Este é o sentido apontado por João Carreira Bom, em http://ciberduvidas.sapo.pt/pergunta.php?id=4160 (visita em 27/8/2007). Esse uso pode ser aproximado do tratamento dado por Leirner (1997) a respeito da hierarquia como um “fato social total”, inspirado no conceito clássico de Marcel Mauss.

sociedade, uma pessoa que tem a vida dela e vai pra casa e vai pro trabalho... A gente faz parte de uma coisa muito maior... tanta gente, tantos interesses do país inteiro. Isso traz até uma segurança psicológica e um conforto também, de você fazer parte de uma coisa grande e importante. Isso me traz orgulho, eu me sinto bem de estar aqui. Não sei, acho que eu vou sentir sempre isso. Quando ajo de uma forma que eu não acho coerente com o estatuto militar, eu me julgo um pouco... forçando, agindo contra a minha natureza.”
A experiência da preeminência da coletividade sobre os indivíduos, que instaura a fronteira primordial entre o “aqui dentro” e o “lá fora”, traduz-se, para os cadetes, numa emoção tipicamente militar: a “vibração”. O momento da vibração é um momento de totalização, quando a pessoa se sente integrada num todo “de corpo e alma”, é “o que dá a vontade de ser militar”. Nas palavras de mais um cadete do quartoano:

“A vibração de um mexe com a outra pessoa, a pessoa passa a vibrar e assim por diante. Aquilo se encadeia, como aquela peça de dominó que cai e todas vão caindo. Quer queira quer não, no Exército você tem uma carga inconsciente imensa, entendeu? Muito grande, muito grande... aquele inconsciente coletivo (...) Sem a gente querer, a gente tá recebendo influência, vibrações.”

Referências bibliográficas
Castro, Celso. O espírito militar. 2ª ed. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2004 (1990).
———. Os militares e a República. Rio de janeiro, Jorge Zahar Editor, 1995.
——— e Chinelli, Fernanda. “Serviço militar obrigatório: o ponto de vista dos
recrutas”. CD-Rom do 30º Encontro Anual da ANPOCS, out. 2006, Caxambu,
MG. 23p.
Dornsbuch, Sanford M. “The Military Academy as an Assimilating Institution”, Social
Forces, vol. 33, No. 4 (May 1955), pp. 316-321.
Goffman, Erving. Manicômios, prisões e conventos [Asylums]. São Paulo, Perspectiva,
1974 [1961].
Leirner, Piero. Meia-volta, volver: um estudo antropológico sobre a hierarquia militar.
Rio de Janeiro, Ed. FGV/Fapesp, 1997.
Simmel, Georg.

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA VIOLÊNCIA E DA IDENTIDADE POLICIAIS MILITARES POR SEUS AGENTES

Cite este artigo: MACIEL, Wélliton Caixeta. Representações sociais da violência e da identidade policiais militares por seus agentes. Revista Habitus: revista eletrônica dos alunos de graduação em Ciências Sociais - IFCS/UFRJ, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2 , p.85-103, dez. 2009. Semestral. Disponível em: . Acesso em: 29 dez. 2009.

Wélliton Caixeta Maciel*

Resumo: O trabalho objetivou entender como as questões da violência policial e da identidade policial militar são representadas por seus agentes e em que medida essas representações participam na construção de sua identidade profissional, supondo-se que essas mesmas representações sociais são construídas pragmaticamente no contato com as diversas manifestações da própria violência, bem como na interação e na comunicação com seus pares, seja durante a formação nas unidades de ensino da Polícia Militar, seja na atuação prática nas ruas, traduzida sob a forma de policiamento ostensivo. Os policiais militares representam seu papel social das mais diferentes formas, desde uma missão de ordem social a uma profissão como qualquer outra. A partir dessas representações sociais, não há que se falar em uma identidade policial, mas em identidades multifacetadas e orientadas/capazes de orientar dialeticamente pelas/as práticas profissionais desses sujeitos sociais.

Palavras-chave: Polícia Militar, violência policial, identidade, representações sociais.

A violência policial tem estado, com freqüência, nos jornais e noticiários televisivos. É fato que grande atenção tem sido dada à ação policial e o comportamento desses agentes constante alvo de críticas por parte não só da sociedade civil, como também dos movimentos de Direitos Humanos, dos estudos acadêmicos e da mídia, principalmente quando envolvendo o uso da força física.

Nos últimos anos, diversas pesquisas empíricas evidenciaram, inclusive, o aumento do número de mortes por policiais no Brasil, as quais, segundo MISSE (2004) não chegam sequer a ser classificadas como crimes, mas resultado de operações legais de segurança, registradas como “autos de resistência”. Para o sociólogo, a esse tipo de impunidade somam-se fatores outros, tais como: “a cultura do machismo, o ethos da guerra, a valorização da força física e da tecnologia da rapidez e da resistência (nos carros), do alcance e da letalidade (nas armas), do domínio e da virilidade (na relação sexual), do dinheiro e do status (nas relações sociais)”. [1]

COSTA e BANDEIRA (2007), em um breve levantamento do campo de estudos sobre violência, criminalidade e segurança pública no Brasil, pontuaram acerca da emergência desses estudos que, tendo surgido na década de 80, hoje se concentram, nas seguintes áreas temáticas: a) violência, delinqüência e criminalidade; b) violência contra grupos específicos; c) representações sociais sobre a diversidade da violência urbana; d) políticas de segurança pública; e) instituições de justiça criminal. Podemos dizer que os intuitos norteadores deste trabalho estão inseridos nas áreas temáticas “c” e “d”, ainda que não objetivando analisar especificamente apenas representações sociais da violência, mas da identidade policial militar por seus agentes, em seus aspectos interacionais e valorativos.

A instituição policial militar se insere no cerne da governabilidade do Estado que, na concepção de WEBER (1968: 62), não deve ser esse entendido por seus fins, mas pelo fato de ser “(...) um agrupamento de dominação que apresenta caráter institucional e que procurou (com êxito) monopolizar, nos limites de um território, a violência física legítima como instrumento de domínio e que, tendo esse objetivo, reuniu nas mãos dos dirigentes os meios materiais de gestão”.

Nessa linha de raciocínio, ALTHUSSER (1996: 116-117) esclarece que “o papel do Estado consiste em assegurar, através da força, as condições políticas de reprodução das relações de produção. Este aparelho desempenha sua função por intermédio da repressão, com uso da força física, ordens, proibições administrativas ou censura”. A reflexão desse autor é bastante profícua no sentido da construção teórica sobre os aparelhos ideológicos e repressivos do Estado.

BURKE apud MINAYO e SOUZA (1999: 8) contribui para pensar essa questão ao pontuar que, “desde que se constituíram, os Estados modernos assumiram para si o monopólio legítimo do exercício da violência, retirando-a do arbítrio dos indivíduos, dos grupos e da sociedade civil, e entregando-a ao exército, às polícias e aos aparatos da justiça criminal”. A violência policial seria, portanto, mais um reflexo da crise e da deterioração desse modelo de Estado. Para PERALVA (2000), um elemento potencializador da violência nos centros urbanos.

Segundo WIEVIORKA (1997: 19), “é cada vez mais difícil para os Estados assumirem suas funções clássicas. O monopólio legítimo da violência física parece atomizado e, na prática, a célebre fórmula weberiana parece cada vez menos adaptada às realidades contemporâneas”.

ADORNO (2005: s/p), por seu turno, observou que:

"(...) l’usage abusif de la force physique comme forme de contrôle de l’ordre public civil participe aux obstacles qui empêchent l’Etat de détenir de manière effective le monopole du pouvoir à maîtriser, juger et punir la violence (...) dans le Brésil contemporain, le monopole légitime de la violence physique par l’Etat demeure incomplet, en dépit des mutations survenues dans de multiples aspects de l’organisation sociale (...) les principaux symptômes visibles en sont la constitution de ‘kystes’ urbains affranchis de toute emprise d’un cadre légal, avec des morceaux de territoires où l’Etat ne dispose pas du monopole de l’exercice légitime de la violence physique; l’usage abusif et arbitraire de la violence de la part de la police comme moyen habituel de répression aux crimes; le manque de contrôle officiel sur les armes auxquelles a accès la population civile, spécialement celles qui se trouvent entre les mains du crime organisé; la corruption des autorités chargées de l’application de la loi et du maintien de l’ordre, ce qui n’est pas sans conséquences du point de vue de la méfiance manifestée par les citoyens vis-à-vis des lois et des institutions de la justice pénale; les taux élevés d’impunité qui suggèrent une mauvaise administration de la justice pénale."[2]

Contudo, conforme pontuou MISSE (s/d) ao comentar as hipóteses de MACHADO (1993, 1995, 2003), a coexistência de dois ordenamentos distintos pode ser interpretada como uma “crise de legitimidade”, não como uma “deslegitimação” da ordem constituída. Por demais perceptíveis que sejam as dificuldades colocadas ao Estado brasileiro contemporâneo, o monopólio da força em suas mãos não deve ser relegado a um segundo plano uma vez que constitui, dentre outras coisas, em uma alternativa à manutenção do público e do privado enquanto elemento de pacificação social.

É importante salientar que subsidia nossa análise a definição tentada (dada à impossibilidade de se cunhar uma definição absoluta do termo, conforme a idéia de conceitos típicos-ideiais em WEBER, 2001) por MICHAUD (2001: 10), o qual considera que “há violência quando, em uma situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou a várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais”. E complementa DEBARBIEUX (2002: 20) que “(...) o poder cumulativo dos pontos de vista fragmentários fornece uma perspectiva geral do objeto. (...) não pode haver um conhecimento total sobre a violência (...) porque o que nos é possível é obter representações parciais dela”.

Para TAVARES DOS SANTOS (1997), a violência constitui uma relação social caracterizada pelo uso real ou virtual da coerção, que impossibilita o reconhecimento do outro como diferença – pessoa, classe, gênero ou raça – mediante o uso da força ou da coerção, ocasionando algum tipo de dano. Quando tratamos de violência, no entanto, estamos no terreno de uma relação inegociável.

Ao se estudar esse fenômeno social deve-se procurar contextualizá-lo, uma vez que “não se pode estudar a violência fora da sociedade que a produziu, porque ela se nutre de fatos políticos, econômicos e culturais traduzidos nas relações cotidianas que, por serem construídos por determinada sociedade, e sob determinadas circunstâncias, podem ser por ela desconstruídos e superados” (MINAYO e SOUZA apud STEINBERGER e CARDOSO, 2005: 99).

Para COSTA (2004: 175) a análise do comportamento violento de determinados policiais deve partir da observação das práticas institucionalizadas, não as dissociando do estudo das estruturas políticas, sociais, culturais e normativas que moldam esse comportamento. Segundo o autor, “a institucionalização de determinadas práticas, sem dúvida, confere maior estabilidade às relações sociais no interior das polícias, uma vez que impõe limites e padrões às ações individuais. Além disso, tais práticas moldam os valores e as identidades policiais. Em outras palavras, elas ajudam a definir o que é ‘ser policial’” (COSTA: 2008, 411).

Já no entendimento de MARTUCCELLI (1999: 172), “o sentido da violência deve ser procurado menos no interior da subjetividade do ator e mais a partir do referencial das redes sociais e das coações materiais legítimas onde o indivíduo está colocado. A violência, nesse quadro, é sempre o outro nome para designar a desigualdade da falta de ligação social”. Sobre isso concorda MENANDRO (1979: 142) para quem a violência policial não está diretamente relacionada aos traços psicológicos dos policiais recalcitrantes, uma vez que “os determinantes da agressão humana encontram-se basicamente nas práticas sociais e não nas características internas do ser humano”.

Segundo MUNIZ (2001: 178), “salvo raras exceções, as principais críticas da população e dos segmentos civis organizados, identificam as práticas correntes de brutalidade policial, de uso excessivo da força e demais empregos arbitrários do poder de polícia, como um dos efeitos perversos do ‘despreparo’ e da ‘baixa qualificação’ dos policiais militares”. Nessa mesma direção, já tinha pontuado MESQUITA NETO (1999: 136) ser a violência policial um comportamento anti-profissional, não-profissional ou pouco profissional, antes de sugerir que a violência policial é um comportamento ilegal, ilegítimo ou irregular por parte de policiais envolvidos em atos de violência. Esta concepção sugere a necessidade da profissionalização da polícia e da melhoria da formação e aperfeiçoamento profissional dos policiais antes de sugerir a necessidade de uma punição dos policiais envolvidos em atos de violência como forma de controlar a violência policial.

Contudo, antes de reportar o problema ao descompasso existente entre a destinação das polícias de “servir e proteger” e os conhecimentos, técnicas e hábitos aprendidos pelos policiais militares (MUNIZ, 2001), nos lembra KANT DE LIMA (2008: 236-238) quanto à necessidade de pensar essa questão para além de um “mau desempenho” do policial. Segundo o autor, “é preciso saber se os policiais fazem aquilo que consideramos errado porque não sabem o que é correto ou se, sabendo-o, simplesmente deliberam fazer o contrário”. Dessa forma, a condução da reflexão nos levaria a pensar não mais em termos de um “despreparo” do policial, mas de “um preparo informado por valores e ideologia diferentes daqueles que informam explicitamente o nosso julgamento”, bem como pensar acerca do reflexo das doutrinas e mentalidades herdadas de um passado autoritário por esses sujeitos sociais.

Ainda pensando sobre a questão da profissionalização, enquanto momento de incorporação de valores (DURKHEIM, 2006), de construção do eu (GOFFMAN, 1967), de valorização do conhecimento abstrato (BONELLI, 2002); sua não efetiva concretização (no sentido de correta ou esperada) poderá responder pela ausência de identidade profissional futura (DOUGLAS, 1998), ou pelo não reconhecimento desta, o que, no caso da profissionalização dos agentes de segurança do Estado, possa ser um dos possíveis fatores de sujeição desses indivíduos ao cometimento de arbitrariedades.

Sendo assim, a ausência do auto-reconhecimento e do reconhecimento social no que tange aos aspectos identitários (individuais e coletivos) acerca da atuação profissional do policial militar possa, talvez, ser pensada como um fator condicionante da ação ativa do membro da instituição diante da questão da violência policial, acabando por nela incorrer. Esse não-reconhecimento não só poderá deturpar e renegar essa atividade, como ser um impeditivo no sentido de representá-la no rol do profissional.

1. A pesquisa

Com recorte empírico centrado na Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) [3], foi nosso desiderato neste trabalho entender como as questões da violência policial e da identidade policial militar são representadas pelos próprios policiais e em que medida essas representações participam na construção de sua identidade profissional, supondo-se que essas mesmas representações sociais são construídas pragmaticamente no contato com as diversas manifestações da violência, bem como na interação e na comunicação com seus pares, seja durante a formação nas unidades de ensino da policial militar, seja na atuação prática nas ruas, traduzida sob a forma de policiamento ostensivo.

Para a consecução do objetivo proposto, a investigação, realizada junto à Academia de Polícia Militar de Brasília e ao Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP), entre agosto de 2007 e julho de 2008, compreendeu as seguintes estratégias metodológicas: pesquisa bibliográfica e trabalho de campo. A primeira, consistente no levantamento e exame da literatura sobre as categorias: polícia, violência policial e identidade; visando à elaboração de referências analíticas capazes de propiciar a interpretação dos dados empíricos. A segunda, tendo em vista se tratar de uma pesquisa de cunho qualitativo, compreendeu o uso integrado da técnica de entrevistas e grupos focais. Assim, foram realizadas cinqüenta entrevistas semi-estruturadas (em um primeiro momento da pesquisa [4]) e quatro grupos focais [5] (em um segundo momento) com, no máximo, dez participantes cada.

Colaboraram, ao todo, oitenta e quatro policiais militares (sessenta e seis homens e dezoito mulheres [6]) selecionados(as) das listas de matrícula nos cursos de formação de ambas as unidades de ensino, observando-se a posição hierárquica como variável de segmentação, além da questão do tempo de serviço na PMDF e da natureza do trabalho (policiamento ostensivo).

Ambas as técnicas se estruturam a partir de um roteiro cujos tópicos-guia foram abarcados nas seguintes dimensões de análise: articulação entre teoria e práticas policiais militares, uso da força física, a questão da violência policial, identidade com a função policial e a questão do “ser policial”.

Por se tratar de um universo de, aproximadamente, 17.000 policiais militares ativos na PMDF (informação obtida junto à Divisão de Pessoal da instituição, posteriormente), observando-se as variáveis de segmentação mencionadas, colaboraram para o caso respectivo dos(as):

1. Entrevistas: cinqüenta policiais militares, dentre eles: a) quatorze Primeiro Tenentes com dez anos (em média) de serviço; b) vinte Aspirantes a Oficial recém formados(as), dezessete com (em média) de três a cinco anos de serviço militar e apenas três com mais de cinco anos, seja na própria Polícia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar; c) sete Cabos com dezessete anos (em média) de serviço policial militar; d) nove Soldados com dezenove anos (em média) de serviço.

2. Grupos Focais (GFs): trinta e quatro policiais militares, assim distribuídos [7]: a) Primeiro GF: dez Segundo Sargentos com uma média de vinte anos de serviço policial militar; b) Segundo GF: oito Segundo Sargentos com a mesma média de tempo de serviço na PMDF; c) Terceiro GF: nove Capitães com uma média de quinze anos de serviço policial militar; d) Quarto GF: sete Capitães, também média de quinze anos de serviço na instituição policial militar do Distrito Federal.

Antes que o leitor se pergunte sobre quais critérios foram utilizados na diferenciação quantitativa em termos da hierarquização por patentes dos elementos de ambas as amostras, ou ainda, sobre o porquê da ausência das baixas patentes (cabos e soldados) nos grupos focais, mesmo supondo a pesquisa que a identidade é também resultado do processo de socialização secundária e esta se faz a partir das patentes iniciais de entrada na corporação, esclarecemos que o “privilegiamento” da colaboração de determinadas patentes em detrimento de outras não foi de nenhum modo proposital, mas motivado pela facilidade de acesso àqueles policiais/potenciais informantes que, no momento da realização do trabalho de campo, realizavam cursos de formação/aperfeiçoamento (como, por exemplo: o Curso de Formação de Soldados - CFSd, o Curso de Formação de Oficiais - CFO, o Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos - CAS ou o Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais - CAO) em alguma das unidades de ensino da PMDF acima referidas.

A escolha e utilização de ambas as técnicas mostraram-se coerentes com os propósitos da pesquisa, no sentido de seu enorme potencial para a compreensão e o fazer sócio-antropológicos. Mais especificamente sobre a técnica de Grupos Focais, sua utilização nos permitiu “compreender processos de construção da realidade por esse grupo social determinado, suas práticas cotidianas, ações e reações a fatos e eventos, comportamentos e atitudes, constituindo-se uma técnica importante para o conhecimento das representações, percepções, crenças, hábitos, valores, restrições, preconceitos, linguagens e simbologias (...) permitiu a compreensão de idéias partilhadas por esses indivíduos no dia-a-dia e os modos pelos quais influenciam e são influenciados” (GATTI, 2005: 11, grifo nosso).

Convém ressaltar que as informações trazidas pelos participantes foram resultados de experiências socialmente vividas dentro da corporação e no seio social, estando aquelas imersas neste. Logo, é de suma importância pontuar que os contextos nos quais se formaram e exercem suas atividades variam de amostra para amostra, uma vez que ocorreram em períodos distintos e, conseqüentemente, em realidades diversas da redemocratização brasileira, cada qual com suas peculiaridades sociais e políticas que, obviamente, se fizeram refletir na instituição policial militar.

2. Identidade e representações sociais

A Polícia Militar possui traços comuns que nos permitem pensar em uma cultura própria a esse meio de atuação formada a partir do processo de interação entre seus membros, seu trabalho e o público (nas palavras de SKOLNICK, 1966, working personality; nas de REINER, 2004, uma “subcultura”), que pode ser analisada sob a ótica da identidade e de suas representações sociais.

É salutar pontuar, de antemão, que a questão da identidade foi aqui compreendida como a consciência de um “eu”, de um “nós” e de um “outro”, de modo sócio-relacional que, imbricada nos meandros do modus operandi policial, contribui para a auto-consciência, a auto-avaliação, a auto-estima e a avaliação de si enquanto pessoa e membro de um grupo específico, a instituição policial militar.

Segundo BERGER e LUCKMANN (2002), a identidade é o produto da relação indivíduo-sociedade, pois é ao mesmo tempo formada pelos processos sociais existentes e também produto do indivíduo que age sobre a organização social, tanto para mantê-la como para transformá-la. Para ANDRADE (1998: 142), “é, ao mesmo tempo, individual e social, supõe uma interestruturação entre a identidade individual e a identidade social dos atores sociais, em que componentes psicológicos e sociológicos se articulam organicamente”.

CARDOSO DE OLIVEIRA (1976: 5), por seu turno, pontua que “o conceito de identidade pessoal e social possui um conteúdo marcadamente reflexivo ou comunicativo, posto que supõe relações sociais tanto quanto um código de categorias destinado a orientar o desenvolvimento dessas relações”. A identidade social, para esse autor, se dá como afirmação do “nós” diante ao “outro”, possível pela diferenciação e identificação em relação aos outros indivíduos ou grupos. Surge por oposição e é relacional. Não se forma isoladamente, uma vez que o sujeito ou grupo necessita do “outro” para ter reconhecimento do “eu”, num processo dialético, considerada a diversidade.

Para GOFFMAN apud MINAYO et al. (2008: 154), “a pessoa define a si própria em sociedade, quer perante si mesma, quer perante os outros, faz parte de um processo de socialização que preexiste ao nascimento do indivíduo. (...) a interação social é por excelência um processo de ação comunicativa que tem por base o modo como o indivíduo interpreta o universo simbólico de forma a preservar sua identidade”.

Ainda nessa mesma perspectiva, MINAYO et al. (2008: 154-154, grifo nosso) afirma que:

“a construção da identidade corporativa da Polícia Militar tem suas raízes na história (...) e a identidade dos seus membros dela deriva, modelando-se através da interação social (...) que são representações bem construídas e intimamente relacionadas do ‘eu’ (...) como produto dramático [que], derivado de um quadro de representação e mediado por um público, só ganha visibilidade na ação entre protagonistas. (...) a imagem que um policial tem de si [, portanto,] é permanentemente edificada sobre o conjunto de movimentos interativos com a realidade que vivencia: com a instituição que cria códigos, preceitos e ritos, por meio dos quais mantém a visão corporativa e abrange a todos os servidores, e com a sociedade que aplaude ou reage às práticas policiais, construindo avaliações e interpretações, segundo suas expectativas sobre o cumprimento do serviço público que seus profissionais prestam.”

Tendo em vista o exposto, a reflexão que aqui fazemos da categoria identidade privilegia não o aspecto psicológico da formação do eu, mas, concebendo o indivíduo como indissociável do contexto social, compreende a identidade enquanto representação social e, portanto, construída por uma sociedade, grupo ou segmento social em um determinado momento de sua história.

Nas palavras de MOSCOVICI (1996: 22), “as representações sociais são formas de conhecimento socialmente elaborado e partilhado, representantes de uma visão prática e concorrente na construção de uma realidade comum a um grupo social” (MOSCOVICI, 1996: 22). Para ALMEIDA et al. (2006: 135, grifo nosso), “correspondem a significados construídos nas interações sociais e são compreendidas como construídas por e constitutivas da realidade social”. JODELET (2008), por sua vez, enfatiza o indivíduo enquanto sujeito ativo e pensante, produtor de representações sociais e, portanto, de sua realidade, a partir de suas interrogações sobre o seu lugar no social.

Segundo essa teoria, indivíduos e grupos expressam sua identidade através de suas representações (ANDRADE, 1998: 144), ou seja, desenvolvem formas específicas de estruturar suas representações sociais a partir da sua inserção no social e das relações sociais estabelecidas. Os indivíduos projetam sua identidade no objeto que representa.

Contudo, ainda que o foco das representações sociais seja o indivíduo, o que as tornam fenômenos complexos por envolver o jogo multidimensional da subjetividade, a apropriação que aqui fizemos dessa teoria foi, nas palavras de PORTO (2006: 253, grifo nosso):

“em certo sentido, utilitarista, uma vez que não nos debruçamos sobre os aspectos propriamente cognitivos da formação e da constituição das representações sociais e de seus mecanismos de difusão (...) ressaltando de que modo se constituíram seu núcleo central e suas periferias. (...) trabalhamos a noção como um todo e sempre no plural, assumindo as representações sociais enquanto blocos de sentido articulados, sintonizados ou em oposição e em competição a outros blocos de sentido, compondo uma teia ou rede de significações que nos permitirão avançar no conhecimento da questão em tela.”

Buscou-se, assim, compreender os conteúdos e os processos sociais contidos nessas representações, que fornecem a esses indivíduos “um código para suas trocas e um código para nomear e classificar, de maneira unívoca, as partes de seu mundo, de sua história individual e coletiva, regulando sua dinâmica social, em suas convergências e conflitos” (MOSCOVICI, 1961: 11, grifo nosso).

3. Representando a realidade e orientando as práticas sociais: as falas dos policiais militares

“Gerou uma dúvida em cada um, porque nós estamos aqui? Vejo que é um mau hábito da Polícia Militar te escalar para determinado lugar e não te dizer o por quê. Então é esse questionamento, que todos nós estamos aqui, mas fazendo o que? A Polícia falou, vocês vão ter que se apresentar lá e pronto! Fazer o que? Ninguém sabe! (...) Por isso gerou toda essa questão.” (Sargento – GF n.º1)[8]

Mais do que opiniões, as falas aqui transcritas revelam como esses indivíduos representam sua atuação, para além do processo em que lhes são transmitidos os conhecimentos necessários ao modus operandi policial militar, com seus conflitos, arranjos e rearranjos institucionais. Essas representações informam, portanto, a realidade vivida por esses indivíduos inseridos na instituição policial militar.

Os policiais possuem interesses profissionais próprios e o funcionamento policial é incompreensível se não levarmos em conta as dimensões desse ramo de atuação, bem como suas especificidades.

Os interesses para o ingresso na corporação podem ser os mais diversos, variando, principalmente, entre a influência familiar ou de terceiros, identificação com a profissão ou uma colocação/manutenção no mercado de trabalho. Perceptivelmente, a recorrência de sua manifestação nas falas e no pensamento desses indivíduos contribui para o norteamento de suas condutas enquanto parte de um corpo institucional.

“Entrei em 1989 na Polícia Militar. Na época eu tinha acabado de servir na marinha, e fui mais por um contato com meu próprio irmão, que me induziu de certa forma a entrar na Polícia Militar, e aquilo, tinha uma certa atração. É uma coisa que você tem quando criança, que queria ser bombeiro, outro queria ser policial (...) estou nesses vinte anos, seria até demagogo dizer que na época não entrei por questões de emprego.” (Sargento – GF n.º1)

“Pra mim seria um emprego como qualquer outro. Se eu tivesse passado em um banco, seria um bancário, entendeu? Um técnico judiciário, um emprego como qualquer outro. Agora, a partir do momento que eu ingressei aí eu já mudei o meu enfoque (...).” (Aspirante a Oficial – Entrevista n.º1)

Para o entendimento da construção identitária do policial, consideramos importante analisar o processo de formação desses agentes, no que tange ao ensino de como procederem ao uso dessa força física legítima/legitimada.

“O uso da força física é somente daquela necessária para conter a ação do agressor, certo? Esse é o uso da força física. A partir daí, se você já conteve a ação, o que ultrapassar isso aí já passa a ser violência. Então, a violência vai ser aquele uso da força não legitimada. Enquanto você tá dentro da legalidade, não vai ser violência; vai ser simplesmente o uso da força. Então, passou esse limite aí você já tá usando de violência.” (Primeiro Tenente – Entrevista n.º 30)

“Quanto à aplicação da violência, da força necessária, isso é muito subjetivo. Não existe dentro da escola [Academia de Polícia] hoje, não existe uma escola que não ensine a bater no cidadão ou não! Acho que isso é muito subjetivo! Às vezes, esconder um cidadão em determinado local é mais complicado, e a sociedade daquele local não acha que é um excesso (...).” (Capitão – GF n.º3)

Atendo-nos mais especificamente ao contexto de formação desses policiais, quatro questões principais puderam ser percebidas: a falta de incentivo à profissionalização e à atualização constantes, bem como a falta de qualificação necessária ao corpo docente; o que exemplificamos com os trechos de fala abaixo:

(...) tem policial que está na rua que se formou a quase vinte e nove anos e fez um curso de soldado. Nunca mais ele voltou para sala de aula, nunca mais ele fez uma reciclagem. Então, ele está usando a técnica de vinte e nove anos atrás (...). (Capitão – GF n.º3).

(...) temos um problema grave na polícia, que às vezes as pessoas não querem comentar, na formação, que é de colocar pessoas não gabaritadas para serem instrutores. Principalmente em armamento, em agentes químicos, o uso da força; tem que colocar pessoas gabaritadas e nem sempre isso acontece. (Sargento – GF n.º1)

PONCIONI (2004, 2007), discutindo a formação profissional do policial civil e militar no Rio de Janeiro, percebeu essas e outras questões localizadas dentro de um modelo por ela denominado “modelo de polícia profissional tradicional”.

Para a autora (2007: 24-25), esse modelo “reforça os aspectos legalistas do trabalho policial, em um arranjo burocrático-militar com ênfase no ‘combate ao crime’ como opção primordial para lidar com a segurança pública, (...) o que acarreta a negligência de outras demandas e interesses que não estão limitados apenas ao crime, mas podem estar associados, em boa medida, à manutenção da ordem (...) Destaca-se, igualmente, nessa formação profissional, a quase total ausência de preparo na área da atividade preventiva, com enfoque na negociação de conflitos e no relacionamento direto com o cidadão (...)”.

Diante desse quadro, o incremento dos recursos humanos e materiais e a organização da formação profissional, segundo Poncioni, são os desafios para a qualificação do trabalho policial na sociedade brasileira contemporânea.

“O importante e que nos ensina a ser policiais é só a prática. Matéria teórica na hora mesmo tem pouca importância. Nós vivemos de imprevistos. Podemos sair de casa simplesmente com uma intenção e um dia você acaba virando a noite em uma delegacia com uma ocorrência de furtos. Ou seja, nada como a prática.” (Sargento – GF n.º2).

“(...) nós fazemos o curso, ensinam para gente, mas quando nós estamos na rua, quem conduz aquilo somos nós. Quem está conduzindo aqui somos nós. Então nem lembra o que o instrutor falou para a gente! Então, na condição daquela ocorrência, nós somos responsáveis por aquele ato. Nós, errando ou acertando, nós somos os responsáveis. (...)”

“Na minha prática, no calor da ocorrência, a adrenalina, você está ali a mil com bala zuando no seu ouvido, e você vai lembrar: olha, ajoelha e fica com um joelhinho aqui outro aqui. Não tem como!” (Sargentos – GF n.º1)

“(...) é até uma discussão nossa na Academia, que a gente enfrenta um problema seríssimo. Nós não temos doutrina única para trabalho. Você acredita que o policial que aborda na Ceilândia, lá na 25 Ceilândia Norte, a forma que ele aborda lá, ele aborda um cidadão na Asa Norte?” (Capitão – GF n.º3)

Sobre a questão da discricionariedade inerente à função policial e a falta de padronização de procedimentos, PORTO e COSTA (2005) contribuíram para essa discussão com seu estudo comparativo entre o Brasil e o Canadá, onde buscaram analisar os mecanismos internos de controle do uso da força legal existentes nas polícias dos dois países, por meio de seus códigos de deontologia e de suas normas de conduta (quando existentes) [9]. Na pesquisa, constataram, no caso brasileiro, a existência de códigos de deontologia na polícia militar, todavia, sem normas de conduta.

“Nosso poder discricionário sempre vai ter problemas na legalidade. A dúvida de até onde eu posso agir e é legal. Aí vêm as cobranças (...) às vezes, não age pensando que seria ilegal e aí está prevaricando. Nosso poder discricionário ao mesmo tempo é perigoso.”

“(...) nós não temos poder discricionário, nós temos poder vinculado. Eu não posso fazer o que quiser! Eu posso fazer aquilo que a lei determina.” (Capitães – GF n.º3)

Segundo GOLDSTEIN (2001), para pensar em qualquer forma de controle da polícia é necessário, primeiramente, assumir a existência desse poder discricionário na função policial. De acordo com ele, há uma opinião prevalecente de que a polícia não possui tal poder. Isso causa problemas à medida que o trabalho policial é tratado de forma hipócrita, não permitindo seu controle.

Percebe o autor algumas das diferentes formas de poder discricionário presentes na função policial, tais como: a aplicação seletiva de leis, a escolha dos objetivos prioritários para a polícia, a escolha dos métodos para intervir, a escolha de formas alternativas de disposição legal, a escolha dos métodos de abordagem das questões de natureza administrativa interna emissão de permissão ou licenças. Não há trabalho policial sem esse poder e, portanto, estruturar a discricionariedade policial não quer dizer eliminá-la.

Outro ponto que chamou nossa atenção foi a maneira como os policiais militares identificam/diferenciam o “bandido” e/do “cidadão de bem”, ou seja, como é elaborada a construção do suspeito.

Moderador(a): Como se sabe quem é o bandido e quem é o cidadão?

Policial 1: Quem está na rua sabe!

(...)

P3: Oitenta por cento que a gente pára... Quando a gente vê o cara, ‘esse cara é peba’ [10], você vai parar e ele está errado. Alguma coisa está errada ali.

P4: Tenta fugir, é agressivo. Muda o comportamento, já fica nervoso, tenta reagir.

(...)

P7: (...) tem como identificar o marginal só de olhar para ele.

(...)

P8: No curso você tem as noções que, por exemplo, vão levar à pessoa suspeita. Por que o cara é suspeito? Porque ele está se esgueirando por algum lugar, procurando coagir, ele está levando um objeto (...) Depois que você vai pra rua, aí você vai aprimorando com a prática. (Capitães – GF n.º4)

Procurando conhecer subjetivamente seu público para, segundo NASCIMENTO (2004: 9), “avaliar moralmente os conflitos e assim decidir sobre as formas de administração a serem empregadas”, esses agentes de segurança pública acabam (re)afirmando preconceitos. Para o autor, indivíduos que “se encaixam em um léxico de estereótipos criminais informalmente produzidos, reproduzidos e transmitidos no cotidiano das instituições policiais” acabam se tornando os alvos preferenciais.

A título de animação dos grupos focais, os participantes assistiram duas reportagens exibidas na mídia televisiva brasileira sobre a atuação da PMDF, a saber: a primeira (não necessariamente na mesma ordem de exibição nos GFs) extraída dos arquivos do DFTV 1.ª Edição (um jornal televisivo local, da emissora de TV Globo), de 10 de setembro de 2007, versava sobre o conflito entre torcedores e os policiais militares que faziam o policiamento no jogo de futebol entre Gama e Brasiliense, no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, no final de semana anterior; e a segunda, veiculada em um jornal da emissora Band News, em 06 de fevereiro de 2008, sobre dois casos: o caso “NOVACAP” e o caso “Galinho de Brasília”, nos quais a polícia militar do DF entrou em conflito com foliões durante eventos festivos de carnaval. Posteriormente, solicitou-se aos participantes que discutissem sobre a atuação de seus pares em ambos os acontecimentos bastante atuais.

“Quando você tem uma formação técnica, que você pega uma munição de borracha e eu dou um tiro no ‘fulano’, não é para o ‘fulano’ morrer! O tiro é para parar a ação do ‘fulano’ para ele voltar! Acontece que um profissional que não está preparado para trabalhar com esse material, vai dar o tiro de borracha e vai continuar vendo o ‘fulano’ em pé! Ele entra em desespero, porque geralmente é um policial para cada cem populares. Essa falta de entendimento, às vezes nos leva a algumas ações individuais de violência.” [11] (Sargento – GF n.º 1)

Além de atribuírem tais erros a falta de preparo técnico adequado, observamos que tratam como casos isolados acontecimentos do tipo, atribuindo-os a fatores psicológicos, educacionais ou até mesmo culturais. A atribuição da violência policial a esses três fatores foi também constatada nas entrevistas quando os interpelados mostraram acreditá-la como uma questão que perpassa subjetividades refletindo a personalidade ou o caráter do indivíduo, vinculando seu emprego ilegítimo à condutas de desvio ou, até mesmo, à condutas patológicas.

“(...) o policial, se ele é violento, é que a Polícia Militar não é suficiente para pegar o brasileiro e tirar a violência de dentro dele. Se o policial é chucro, é porque o povo brasileiro é chucro. Quando tiver educação e for um povo bem educado, ‘culturado’ e tiver valores agregados, o policial vai ser uma coisa incrível. Enquanto o povo for esse povinho que está aí, cheio de defeitos por falta de Estado ou de família, o policial vai ser reflexo do povo.” (Capitão – GF n.º 3)

“Existem fatos isolados. Até se for para fazer uma comparação nesses fatos isolados, é minoria da minoria. E são punidos, às vezes perdem até o emprego.” [12] (Sargento – GF n.º 1)

Em trabalho anterior [13] pontuamos certa indiferença sobre a mesma questão, conforme evidenciada no trecho transcrito a seguir, lembrando que a questão era a seguinte: em sua avaliação, em que medida os cursos dos quais participou, em sua formação, auxiliam no melhor tratamento ou no equacionamento da violência policial, que eventualmente possa existir em sua corporação? Um(uma) policial respondeu: “(...) nenhuma, polícia que bate sempre vai bater. Não é problema meu, ou seja, quem sou eu pra dizer faça ou não faça uma coisa que todo policial está cansado de saber(...)” (Soldado – Entrevista n.º 39). Para outro(a): “(...) nada melhor que saber administrar emoções. Tenho a noção de que se chega a acontecer uma violência é porque houve falha na administração emocional o que não justifica o ato em si” (Cabo – Entrevista n.º 45).

Faz-se necessário pontuar, no entanto, que as explicações “culturalistas” (sociologicamente holísticas) e aquelas sobre o caráter isolado da violência policial (sociologicamente individualistas) possuem uma interpretação diferenciada dentro da bibliografia sobre violência e polícia, ainda que ambas eliminem a formação do policial militar como causa da violência, ou seja, são representações explicativas que desresponsabilizam a Polícia Militar como instituição.

O fato de as ações policiais (e, conseqüentemente, a construção identitária dos policiais, no sentido de que as práticas informam acerca da identidade profissional) serem influenciadas por fatores de ordem política foi mais uma das constatações desta investigação.

“A tal da democracia, essa coisa linda e maravilhosa que é o autoritarismo que existe aí, ela muito bem articulada, faz com que a política mande na polícia. A ascensão profissional na polícia não é assim não (...) ela se dá através de que mecanismo? Conjuntura política. (...) a sociedade não tem hoje um mecanismo para barrar isso. Quem perde não é apenas o Capitão ‘Beltrano’! (...) por quê? Quem vai assumir um comando de uma corporação (...) de repente não é o coronel melhor preparado, é o coronel melhor articulado, politicamente.” (Capitão – GF n.º 3)

“(...) O policial, hoje, não passa de segurança particular do Estado. Quem tem articulação política consegue, quem não tem não consegue!” (Capitão – GF n.º 3)

Voltando-nos para questões mais subjetivas do âmbito da construção identitária desses indivíduos, indagamos aos participantes, tanto nas entrevistas como nos GFs, ‘o que é ser policial para vocês?’. A partir dessa pergunta, ‘ser policial’ foi representado das mais diversas formas, muitas vezes como algo de certo modo romântico, messiânico, quase uma missão de ordem social.

Moderador(a): (...) o ‘ser policial’ é uma profissão como qualquer outra? É uma carreira? É um ofício?

“É um sacerdócio! É estar pronto a toda hora!” (Capitão – GF n.º 3)

“(...) na nossa função, nós abrimos mão de um direito legal que é garantia de vida nossa para a vida de outros. Isso é um diferencial muito forte! A vida é o patrimônio maior do ser humano. E nós abrimos mão disso (...).” (Sargento – GF n.º 1)

“Ser policial militar é estar presente quando a sociedade nos requer para mediar seus conflitos, que sempre vão existir. (...) Ser policial é ser agente mediador, é ser o primeiro elemento do Estado a estar auxiliando e prestando serviços do Estado.” (Capitão – GF n.º 3)

Ainda que essas percepções tenham sido exprimidas um tanto quanto martirizadas, observamos diferenças nas representações sociais de acordo com a hierarquia ocupada por nossos interlocutores. Oficiais representam sua função social com maior pragmática e racionalidade, apesar de alguns praças também pensarem desse modo.

Houve grande recorrência da afirmação acerca da impossibilidade da dissociação entre a ‘identidade militar’ e a ‘identidade civil’, uma vez que, conforme o pensamento dominante entre esses agentes, “o policial é policial vinte e quatro horas por dia”, devendo estar sempre pronto a resolver as demandas que a sociedade lhe colocar, mesmo que apenas pelo acionamento de colegas de profissão para atender alguma ocorrência policial.

“Eu vejo assim, ser policial é um servidor na essência da palavra. Porque está servindo o tempo todo à sociedade. Tem que gostar de servir. Você deixa de fazer determinadas coisas, para estar servindo. Isso aí, sendo obrigado ou não”.” (Capitão – GF n.º 4)

A partir dessas representações podemos analisar outras sobre a percepção desses(as) policiais sobre sua identidade profissional, sobre seu trabalho. CASTELS apud MORAES (2005: 215), sugere que “o trabalho é mais que trabalho porque produz e confere identidade, não só relativa ao universo do trabalho, como também em relação ao mundo social em que os indivíduos habitam”. Para DUARTE apud MORAES (2005) a identidade que parte do mundo do trabalho “compõe a identidade social do indivíduo ‘muito vinculada à identidade pessoal’”.

“Eu não sou um PM! Eu sou o que? Um policial militar! A segregação já começa aí! Eu não sou um PM, eu não sou uma sigla. (...) nós já começamos a ser segregados quando somos chamados de PM.” (Capitão – GF n.º3)

“Às vezes, a gente está na rua e a mãe: ‘menino, fica quieto senão a policia te prende’. Um dia desses, eu estava fardada, a mãe falou perto e eu cheguei pra criança e falei:_Prende não, você não é bandido! (...) Quem gosta de PM é cachorro, bêbado e prostituta. E idosos também.” (Capitão – GF n.º3)

“(...) o ‘menino de surra’ hoje é a polícia. Se o Estado falha, a polícia é responsável, por que qual é a ponta do Estado mais próxima da sociedade? É o policial!” (Capitão – GF n.º3)

“Quando o policial militar age em desacordo às normas ou transgride disciplinarmente, os Direitos Humanos cai em cima, aciona a imprensa, denigre não só a imagem daquele cidadão como também da instituição a qual se dedica profissionalmente. Agora quando ele é vítima, nem sequer olham para ele. E quando morre, então? Esquece até que ele é também um ser humano. Não pensa no lado dele, nem no de sua família.” (Primeiro Tenente – Entrevista n.º 23)

Ao representarem socialmente sua função e papel sociais enquanto policiais militares, os(as) participantes nos fizeram perceber, mais uma vez, a recorrência de cobranças externas e internas com relação à sua profissão, seja por parte da própria instituição ou da sociedade.

“Se a Polícia é violenta, se a sociedade tem essa visão de violência da polícia, por que que ela confia e chama? É só por causa dessa necessidade? (...) existe certa discriminação da população civil. Existe!” (Sargento – GF n.º1)

“Aquele caso do Galinho [14], a imprensa pega pesado com a gente pelo seguinte: ela é tendenciosa, só visa lucro. E o que ela mostra? Ela mostra só aquilo que interessa a ela. Eles não mostram o que provocou aquela situação ali. (...) Só mostra o cara machucado. Não mostra as provocações, não mostra o por que que a polícia teve que agir com certo rigor, para poder causar medo mesmo, para poder causar pânico, para poder dispersar.” (Sargento – GF n.º 2)

A tensão entre como os policiais militares representam a imagem que a sociedade tem deles e como eles se representam como identidade profissional, nos coloca o desafio de pensarmos sobre a significação sociológica de representações sociais gerando uma experiência cotidiana problemática e que pode ter conseqüências na atuação profissional. No entanto, uma reflexão ampla sobre essa questão deverá constar da pauta de pesquisas futuras, já que somente o material empírico aqui demonstrado não nos permite chegar a conclusões tão generalistas.

É interessante notar, contudo, que a polícia aparece como um núcleo de estereótipos, onde inicialmente ocorre uma adesão a estereótipos compartilhados entre os policiais mais velhos. O sentimento herdado que se mostra de forma mais clara é em relação à mídia, que passaria uma imagem desfavorável da polícia sendo a interiorização dessa idéia crescente conforme o tempo de formação. Todavia, representando sobre essa questão, os participantes apontaram algumas possíveis alternativas para “desmacular” a imagem da instituição.

“Para dispersar essa imagem, nós temos um serviço de relações públicas, que (...) eu acho falho (...) usar a própria imprensa (...).” (Sargento – GF n.º 2)

“Podemos promover ações no sentido de tentar melhorar nossa comunicação social para mostrar a população quem nós somos.” (Capitão – GF n.º 3)

4. Considerações fragmentárias à guisa de conclusão

A identidade policial militar é social e está intimamente relacionada à formação técnica que ele(a) recebe, enquanto processo de socialização secundária. A submissão do indivíduo ao institucional induz à construção de uma suposta identidade profissional, em detrimento da “identidade individual”, que atrelar-se-á à primeira com a assimilação de comportamentos próprios, o cumprimento de condutas tidas como esperadas pela instituição, o “empenumbrecimento” do eu, as condições e o desgaste do trabalho, a resistência ao formal e a ameaça constante de denúncia do informal, a falta de aceitação em termos de paga salarial pelo trabalho prestado ao coletivo (ferindo, sobretudo, o moral), a posição de ambigüidade a que são colocados esses indivíduos entre mundos dicotômicos (o da lei/ordem e o do crime/desordem).

Podem ainda ser pontuados dentre os diversos fatores constituintes do ethos policial atrelados aos valores da instituição e que concorrem dentro desse processo de construção identitária do policial militar: o fenômeno da desconfiança ou dos baixos níveis de confiança ligados a vários aspectos do trabalho, a intensificação dos estímulos nervosos (SIMMEL, 1976) necessários às exigências da vida metropolitana, a produção de uma economia psíquica fundamental ao equilíbrio do indivíduo (ELIAS, 1994) institucionalizado, contra a qual trabalha a economia da vigilância e da eficácia da disciplina (FOUCAULT, 2007).

À luz desse arcabouço teórico e empírico, acreditamos que as representações sociais dos policiais militares acerca das questões anteriormente colocadas informam sobre a identidade desses agentes com sua profissão, uma vez que essa é construtiva e relacional, além de permiti-los tecer expectativas sobre seu pertencimento dentro da estrutura social. É inegável que nesse processo contribuem as percepções de agentes externos à esfera policia (como a mídia, por exemplo).

Concordamos com CRUZ (2006), para quem o processo de construção das representações é definido por relações de poder em vias intercomunicantes, sendo que a legitimação do grupo de pertencimento desses indivíduos acontece (não somente, mas também) a partir de negociações identitárias. Com isso, não há que se falar em uma identidade policial única em sim mesma, mas em identidades multifacetadas e orientadas/capazes de orientar dialeticamente pelas/as práticas profissionais desses sujeitos sociais. Nelas tem-se a experiência relacional de poder, desejo de reconhecimento, investimento do eu. Portanto, “a identidade e a representação são estruturas de natureza política, na medida em que são conectadas por relações de poder” (Op. cit.:170).

Dessa forma, tornam compreensíveis para nós as cobranças desses sujeitos sociais por reconhecimento, bem como a preocupação em como são vistos. “Como defesa ao singular, a identidade [desses(as) policiais] busca proteger-se de todas as formas de destituição de valor e poder, principalmente quando diante de relações de desvalorização que ameaçam as dimensões do valor, do poder e da autonomia, elementos centrais na construção da identidade profissional” (Op. cit: 171, grifo nosso).

Ainda que pesquisas posteriores tenham como objetivo analisar a relação entre a formação técnica profissional e a compreensão dessa identidade problematizante, incluindo as representações sociais da sociedade civil, acreditamos, de antemão, que, talvez, uma das possibilidades para o rompimento do deteriorado/renegado, no que tange à imagem que a sociedade faz do policial e daquela que ele faz de sua atuação, esteja também no papel da instituição policial dentro desse processo, bem como que seja esta uma das condições para a diminuição da violência institucional estatal e, mutatis mutandis, à manutenção da legitimidade da concentração do monopólio do uso da força em mãos do Estado.



NOTAS

* Aluno do 8º período do curso de Ciências Sociais da Universidade de Brasília. Wélliton Caixeta Maciel pertence ao Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (NEVIS) e participa dos seguintes projetos de pesquisa: “Construção Identitária e Auto-Reconhecimento: pré-requisito para a Constituição da Atividade Policial como Profissão e Diminuição da Violência?”, coordenado pela Prof.ª Dra. Maria Stela Grossi Porto (UnB); “Violência Urbana, Polícias Militares Estaduais e Políticas Públicas de Segurança”, coordenada a nível nacional pelo Prof.º Dr. José Vicente Tavares dos Santos e, a nível DF, pela Prof.ª Dra. Maria Stela Grossi Porto; “O Inquérito Policial no Brasil: uma pesquisa empírica”, coordenado a nível nacional pelo Prof.º Dr. Michel Misse (UFRJ) e, a nível DF, pelo Prof.º Dr. Arthur Trindade (UnB); “Conflitualidades e Violências: Olhares Institucionais e Representações Sociais. Uma Perspectiva comparada entre as práticas de Saúde e as Práticas Judiciárias”, coordenado pela Prof.ª Dra. Lia Zanotta Machado. Professores orientadores: Maria Stela Grossi Porto, Arthur Trindade Costa Maranhão e Lia Zanotta Machado. E-mail: wellitonmaciel@gmail.com

[1] c. f. MISSE, M. Como desarmar a violência policial? Rio de Janeiro, 04 de março de 2004.Disponível em: < http://www.necvu.ifcs.ufrj.br/arquivos/Como%20desarmar%20a%20viol%C3%AAncia%20policial_desarme.pdf>. Acesso em 02 novembro de 2008.

[2] Traduzindo: “o uso abusivo da força física como forma de controle da ordem publica civil é um dos obstáculos que impedem o Estado de deter de maneira efetiva o monopólio do poder de conter, julgar e punir a violência (...) no Brasil contemporâneo, o monopólio legítimo da violência física por parte do Estado permanece incompleto, apesar das mudanças surgidas em múltiplos aspectos da organização social (...) os principais sintomas visíveis disso são a constituição de ‘cistos/nódulos’ urbanos isentos de qualquer influência de uma estrutura legal, com pedaços de territórios onde o Estado não dispõe do monopólio do exercício da violência física; o uso abusivo e arbitrário da violência por parte da polícia como meio habitual de repressão aos crimes; a falta de controle oficial sobre as armas às quais a população civil tem acesso, especialmente aquelas que se encontram em poder do crime organizado; a corrupção das autoridades encarregadas da aplicação das leis e da manutenção da ordem, o que produz conseqüências do ponto de vista da desconfiança manifestada pelos cidadãos frente às leis e às instituições da justiça penal; as elevadas taxas de impunidade que sugerem uma má administração da justiça penal”.

[3] Sinceros agradecimentos à Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), por abrir suas portas mais uma vez à pesquisa acadêmica, viabilizando o estreitamento do vínculo com a Universidade. Seria injusto e nem um pouco razoável querer citar nomes aqui.

[4] Essa pesquisa deu continuidade a outra que teve por título “Reflexos da Formação da Identidade Profissional do Policial Militar na (i)legitimidade de sua Ação frente à violência da Capital Federal” e que foi desenvolvida entre julho de 2006 e agosto de 2007, da qual parte do material empírico nos foram úteis em nossas reflexões.

[5] Sinceros agradecimentos à amiga e colega de graduação em Ciências Sociais, na Universidade de Brasília, Isabelle Picelli, por colaborar na preparação dessa parte do campo. Agradeço, ainda, ao Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos (CAEP/IP/UnB), pela disponibilização do local adequado para realização dos GFs.

[6] É inegável o fato de que, ainda hoje, a inserção de mulheres nos quadros das polícias militares brasileiras dá-se de uma forma muito limitada (não só legalmente, como também informalmente) e com pouca visibilidade. No DF, por exemplo, uma lei de 1998 ainda restringe a 10% a participação feminina no efetivo da PM. O mesmo ocorre em outros Estados. Segundo CALAZANS (2004: 143-149, grifo nosso), “no Brasil, a concentração de entrada das mulheres na polícia deu-se na década de 1980, coincidindo com um momento de crise da própria instituição policial que, por sua vez, refletia uma crise mais ampla do próprio modo de organização do trabalho nas sociedades contemporâneas. (...) mesmo na inclusão das mulheres na força policial, é evidente a permanência de modos de exclusão-dominação, posto que suas habilidades colocam-se como inatas, encaradas simplesmente como um modo ‘natural’ de ser mulher. (...) enquanto minoria simbólica, [o pensamento machista dominante na polícia militar acredita que as mulheres] terão papel saneador na instituição (...)”.

[7] Como os GFs aconteceram no Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos, do Instituto de Psicologia, da Universidade de Brasília, mesmo empenhados(as) para estar lá no horário marcado, nem todos(as) os(as) participantes compareceram por motivos das mais diversas ordens.

[8] Sempre que ilustrarmos com trechos de falas dos(as) participantes, omitir-se-á sua identidade, uma das condições expressas no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no caso dos GFs, ou oralmente, no caso das entrevistas.

[9] c.f. PORTO, Maria Stela e COSTA, Arthur. Condutas Policiais e Códigos de Deontologia. Um estudo comparativo sobre as relações entre polícia e sociedade. Relatório de Pesquisa. Universidade de Brasília. 2005.

[10] Sobre a categoria “peba”, c.f. NASCIMENTO, N. Entre as leis e o mundo: polícia e administração de conflitos numa perspectiva comparativa.Tese de Doutorado. Departamento de Antropologia. Universidade de Brasília, 2003.

[11] O(a) participante, aqui, citou o nome de um colega que também participava daquele GF. Obviamente, por uma questão de ética em pesquisa, o nome do mesmo foi trocado pela identificação de ‘fulano’.

[12] Ver a matéria “Mudanças na PM provocam crise”, de Priscila Machado, sobre denúncias e suspeitas de encobertamento/favorecimento de/a policiais militares que cometeram crimes e não foram punidos pelo último comando da PMDF, publicada no Jornal de Brasília, de quinta-feira, 13 de março de 2008, no caderno Brasília, p. 4.

[13] c.f. MACIEL, Wélliton. Reflexos da Formação da Identidade Profissional do Policial Militar na (i)legitimidade de sua Ação frente à violência da Capital Federal. Relatório Final ProIC/UnB. Universidade de Brasília, 2007.

[14] Confronto entre soldados do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (Bope) e foliões do bloco carnavalesco “Galinho de Brasília”, acontecido em 3 de fevereiro de 2008, nas quadras 203/204 da Asa Sul, em Brasília. “Enquanto militares lançavam bombas de efeito moral e gás de pimenta e atiravam balas de festim contra os foliões, esses revidavam com latas e garrafas de cerveja”. (Correio Braziliense, quarta-feira, 30 de julho de 2008: “Mudança na Segurança Pública”, caderno Cidades, p. 22).

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PEC 300 JÁ - Passeata no Centro 25-01-2010 Bombeiros e Policiais Militares gritam FORA CABRAL.

Fonte:http://wanderbymedeiros.blogspot.com
26/10/2010

PEC 300 JÁ - Passeata no Centro 25-01-2010 Bombeiros e Policiais Militares gritam FORA CABRAL.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Luis Dumont




Vou comerçar a exposição pelo o Homus Hierarchicus (1966). E um primeiro ponto que eu gostaria de ressaltar já aparece no subtítulo da introdução: As Castas e Nós . Aqui, Dumont marca uma oposição entre a ideologia central do nosso sistema social, leia-se da sociedade ocidental moderna, e a do sistema das castas. O autor chama de ideologia a todo sistema de idéias e de valores conferindo a ela um papel central na vida social.
Partindo da suposição de que as castas seriam uma instituição que é “uma negação dos direitos e surge como um obstáculo ao progresso econômico de meio bilhão de pessoas” (p.49), ele vai demonstrar que existe um juízo de valor dos ocidentais a respeito desse sistema. Dumont sustenta ao longo do texto que o sistema de castas não pode ser visto como algo não-humano ou anômalo, mas como uma instituição que deve ser compreendida. Para ele, as sociedades “primitivas” ou “arcaicas” e as grandes civilizações estrangeiras podem nos falar da humanidade em geral, e a antropologia provaria isso ao oferecernos a compreensão das mais diferentes sociedades e culturas. Nesse sentido que o autor considera que a compreensão da sociedade indiana é fecunda, justamente por ser diferente da nossa.
Assim, segundo a abordagem de Dumont, o sistema de castas vai nos ensinar um princípio social fundamental, a hierarquia. Apesar de não nos apropriarmos dele, mas do seu oposto, do igualitarismo moral e político, a hierarquia é importante para compreendermos a natureza desse igualitarismo. Aqui o autor transmite-nos a idéia de que esse outro distante, tão diferente, pode ajudarnos a falar da humanidade, e isso nos levar a pensar que Dumont concebe a antropologia como um discurso que deve falar do homem e da sociedade genericamente.
O livro, como o próprio autor diz, é uma tentativa de apreender intelectualmente outros valores através do sistema de castas para termos uma visão antropológica dos nossos próprios valores. Nesse sentido, vendo que a hierarquia é um construto cultural, a gente também pode encarar o igualitarismo da mesma forma, e não como um valor transcedental ou universal. Dumont está discutindo com o nosso etnocêntrismo- ou o que ele chama de sociocêntrismo-, ao falar em princípio igualitário e princípio hierárquico, aparententeme, como dois sistemas ideológicos, culturais.
Assim um aspecto significativo da sua análise diz respeito a um propósito comparativo. Ele está permanentemente dialogando entre o “nós” e o “outro”. Esse outro, no caso a índia, é um particular através do qual é possível atingir o universal: “(...) só aquele que se volta com humildade para a particularidade mais ínfima é quem mantém aberta a rota do universal”(:52). Como se vê aquela preocupação, que falamos na aula passada, existente na Antropologia Francesa – a saber, a relaçao entre o universal e o particular, entre a unidade e a diversidade – está muito presente em Dumont.
Talvez o que se destaque nessa introdução seja que um livro que vai tratar do sistema de castas indiano e da hierarquia comece com uma reflexão sobre seus aparentes contrários, ou seja, a nossa ideologia. As idéias cardinais dessa ideologia são a igualdade e a liberdade, e com elas o que se vê é uma representação valorizada do indivíduo. A sociologia, diz Dumont, surge discutindo com essa mentalidade individualista, demonstrando, ao invés disso, que o homem não é um indivíduo isolado, mas um homem social.
O indivíduo é um valor, ou antes uma configuração de valores que faz parte da sociedade moderna. Existiriam para Dumont duas configurações sociais, uma corresponde às sociedades tradicionais e a outra à moderna. Na primeira a sociedade é pensada tendo em vista os seus fins, não é vista como um meio para a felicidade individual, mas pelo contrário, se trata de uma ordem hierárquica: cada homem particular deve contribuir para a ordem global, ou seja, as partes aparecem em função da totalidade. Seria essa a visão holística, que concebe ao homem como homem social. A outra configuração seria a das sociedades modernas, onde as partes são mais importantes do que o todo: a sociedade aparece como um meio para que os indivíduos satisfaçam as suas vontades. Seria mais uma visão individualista. Uma sociedade tal como foi concebida pelo individualismo, argumenta Dumont, nunca existiu em parte alguma porque o indivíduo vive de idéias sociais. Outro traço moderno que se opõe ao sistema das castas é a igualdade. Dumont vai desenvolver o ideal de igualdade e liberdade segundo Rousseau e Tocqueville. Ele faz uso desses dois autores como dois ideólogos dessa ideologia igualitária baseada nos indivíduos como seres iguais. Dumont acaba a sua Introdução com uma frase provocadora: a “necessidade da hierarquia”. Ele retoma o Talcott Parsons que colocou em plena luz a racionalidade universal da ação de hierarquizar. E cita um trecho do livro “Novo esboço de uma Teoria da Estratificação”, no qual Parsons mostra que a hierarquia é um produto da diferenciação e da avaliação de coisas ou de elementos numa ordem. Ou seja, aparentemente Dumont estaria pensando a hierarquia como uma forma de classificação e valorização do mundo. Diz Dumont: “...o homem não apenas pensa, ele age. Ele não tem só idéias, mas valores. Adotar um valor é hierarquizar, e um certo consenso sobre os valores ... é indispensável à vida social.” (:66) O que me parece interessante é que ele está vinculando hierarquia ao valor. O que podemos pensar é que hierarquizar está envolvendo uma dimensão moral e não só lógica. Assim, quando Dumont fala em necessidade da hierarquia, não está se referindo à necessidade da diferença do poder, mas está dizendo que o homem age no mundo hierarquizando, dando valores às coisas, às pessoas e às idéias. O autor diz que o ideal igualitário é artificial. De fato, poderíamos pensar que o ideal igualitário é um forma de hierarquizar. Se você parte de um valor que é a igualdade, você já está hierarquizando (ele parece estar jogando com isso). Como ele diz no artigo A Comunidade Antropológica e a Ideologia : a hierarquia de níveis resulta da mesma natureza da ideologia, ou seja, é intrínsica à ideologia, “porque atribuir um valor supõe colocar ao mesmo tempo um não- valor, é organizar ou constituir um dado no qual ficará alguma coisa de não significativa.” (:234).
Posfácio a Edição Tel
No Posfácio, escrito em 1978, o que se destaca é que ele vai sair do contexto etnográfico da Índia para oferecer-nos uma teoria geral da hierarquia. A Índia lhe permitiu ver a oposição entre o englobante e o englobado que vai ser a base dessa teoria.
Nesse momento ele passa a falar da hierarquia desde um sentido mais lógico, como uma relação que se pode chamar suscintamente de englobamento do contrário. A idéia seria a seguinte: a hierarquia é uma relação lógica possível entre duas classes. Tem uma relação lógica que é a simples oposição, o que ele chama oposição distintiva, onde você tem um elemento A que supõe um elemento B. Mas tem uma oposição hierárquica que é aquela em que em um nível os dois elementos são opostos de maneira distintiva (A se opõe a B), e em outro nível esses dois elementos tem uma relação em que um engloba ao outro. Ele vai dar um exemplo extraído da bíblia que é a criação de Eva a partir de uma costela de Adão. Num nível a mulher se opõe ao homem (como Adão se opõe a Eva), mas em outro nível maior, que é pensar no Homem no sentido de Humanidade, a mulher está contida pelo conjunto Homem do qual ela seria um elemento.
O que ele diz é que a mentalidade igualitária perde de vista essa relação hierárquica entre as classes, entre os elementos, porque justamente não vê aquele nível englobante, não vê que os elementos fazem parte de um conjunto e que dentro desse conjunto existe uma relação hierárquica.
Para ele essa oposição hierárquica é um elemento fundamental do pensamento estrutural que a antropologia, provavelmente por fazer parte da ideologia moderna, deixou de lado, focalizando só na oposição distintiva. Dumont conclui afirmando que talvez exista uma única lei em sociologia que poderia chamar de lei de Parsons, pois mesmo que ele não a tenha formulado de forma explícita seria aquela a lei da hierarquia, isto é, que todo elemento é comandado pelo conjunto do qual faz parte.

A Comunidade Antropológica e a Ideologia
Agora vou passar para o artigo “A comunidade Antropológica e a Ideologia” que foi publicado na revista L´Homme em 1978. Neste artigo ele demonstra sua preocupação com a situação fragmentada da disciplina antropológica, principalmente na França. Fazendo uso de Thomas Kuhn, Dumont está chamando a atenção para o fato de que a vida da disciplina se caracteriza por uma revolução estrutural, ou seja, há um desacordo constante entre os antropólogos. A falta de consenso está cristalizada numa proliferação de antropologias. Uma das razões disso, propõe Dumont, deve-se ao fato de que as ciências sociais estão muito expostas às ideologias ambientes, às ideologias da própria sociedade em que essas ciências estão inseridas.
Dado que nos últimos anos a Antropologia está interessada cada vez mais pelos sistemas de idéias e de valores, isto é pelas ideologias, isso merece uma reflexão sobre a ideologia da antropologia como ciência e sobre a ideologia da sociedade moderna da qual a antropologia faz parte. Ou seja, o Dumont volta a problematizar o nós . Assim como fez na introdução do Homus Hierarchicus, agora está fazendo um chamado aos antropólogos a problematizar o nós não só da sociedade moderna, mas também o nós antropológico, o nós antropólogos.
Marcel Mauss, antes de 1900, diz que a “antropologia postula a unidade do gênero humano”, para em seguida considerar as diferenças. Ou seja, a antropologia se funda num encontro de duas dimensões que parecem estar em tensão, a unidade e o universal do gênero humano, e a particularidade e a diversidade. Dumont fala dessa oposição fundante da disciplina em termos do individualismo-universalismo moderno, por um lado, e por outro o holismo, isto é, a perspectiva que considera a sociedade ou cultura fechada em si mesma, que identifica a humanidade com sua forma concreta particular. Ele diz que a antropologia nasce da combinação desses dois termos e que o fato de não contemplar tanto o universalismo quanto o particularismo pode levar a situações como aquela que a antropologia estaria vivendo naquele momento. Aquela fragmentação resulta de uma overdose de particularismo que precisaria ser equilibrada, segundo Dumont, com um pouco de universalismo capaz de reestabelecer o diálogo.
A pergunta que ele se faz é: “como proceder para relacionar de um modo construtivo o individualismo de que somos fruto e o holismo que predomina em nosso objeto de estudo?”.
Dumont faz uma proposta a partir das idéias de Leibniz: cada cultura expressaria, a sua maneira, o universal; isto é cada particularidade exprimiria a unidade. Na verdade é isso o que Dumont faz no Homus Hierarchicus, ele parte desse pressuposto, tentando falar, atráves do sistema de castas indiano, da hierarquia como uma operação universal. O Dumont propõe o modelo de Leibniz como um ideal para orientar o trabalho dos antropólogos.
A reconciliação que Leibniz faz entre o universal e o particular seria mais uma combinação hierárquica dos dois princípios. Num primeiro nível, no nível global, somos necessariamente universalistas. Cada cultura ou cada sociedade expressa o universal a sua maneira. Num segundo nível, no qual se considera alguma cultura ou alguma sociedade particular, a primazia se inverte e se impõe o holismo, e cada sociedade aparece como um universal concreto. Para Dumont, aparentemente, o universal ou universalismo ocuparia um lugar superior na hierarquia, porque para ele não priorizar o universalismo seria destruir a antropologia. Segundo o autor aquela multiplicidade de antropologias, que corresponderia a uma multiplicidade de culturas, seria a destruição da disciplina.
A proposta que Dumont faz para solucionar os males dos quais padece a antropologia não se esgota aqui. Além disso, ele fornece duas sugestões propostas: primeiro, a comunidade antropológica deve definir sua natureza em função da sua relação com a ideologia moderna. E aí aparece o que ele já trabalhou no H.h, a antropologia deve problematizar as noções de indivíduo e de igualitarismo, as quais obstacularizaram o conhecimento das sociedades não-modernas. Uma segunda questão é que “o princípio de unidade da disciplina reside numa comparação dos universais concretos dentro de uma perspectiva universalista”. Isto é, dentro de uma perspectiva universalista, a antropologia tem que comparar universais concretos.
Os universais que ele vai propôr são tipos de relações: a oposição distintiva e a oposição hierárquica. São dois universais que podem permitir a comparação e o diálogo dentro da própria antropologia. A primeira era aquela que opunha dois termos simetricamente, ou seja, nenhum é superior ou engloba ao outro. A segunda, a oposição hierárquica, como podemos ver, implicaria que dois termos se relacionam e se opõem, sendo um o conjunto e o outro um elemento desse conjunto que o contém.
A comunicação no interior da comunidade antropológica requer os conceitos universais, isso para ele é um requisito. Agora o desenvolvimento recente que acentua a especificidade de cada cultura debilita esses universais que ele quer resgatar.
Ele volta a assinalar que a ideologia moderna é hostil à hierarquia, então tende a negár-la. Uma forma de fazê-lo foi a distinção entre fato e valor. Essa distinção que é própria da ideologia moderna, permite eliminar a hierarquia do terreno dos fatos, ou seja, como se os fatos por si não estivessem hierarquizados. Para mim não fica tão claro as implicações dessa distinção na eliminação da hierarquia.
A Antropologia nasce tentando unir a diferença, se encontra com a diversidade mas tem que dar conta também da unidade presente nessa diversidade. O gênero humano é diferente, mas tem coisas em comum. E a hierarquia está na mesma situação, se encontra com coisas diferentes mas estabelece nao só uma relação de oposição, mas também de união, porque quando se hierarquiza se está englobando uma coisa dentro da outra, ou seja, unindo coisas diferentes. A hierarquia concebida como universal permitiria duas coisas: a comparação intercultural e o diálogo dentro da disciplina. Dumont está propondo colocar ou recuperar algumas doses de universalismo no trabalho antropológico.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

CABRAL EXONERA O RELAÇÕES PÚBLICAS DA PMERJ

sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Fonte: http://sobreviventenapmerj.blogspot.com

A assessoria de imprensa do governo do estado do Rio confirmou que o governador Sérgio Cabral pediu a exoneração do major Oderlei dos Santos Alves de Souza, do cargo de relações públicas da Polícia Militar.

Cabral considerou desrespeitosa a declaração que o major deu em entrevista à Globo News na quinta-feira .
"Ele não se comportou como um porta-voz da instituição. Ele se comportou como advogado de defesa dos policiais. Isso eu não admito. Eu não admito porque há registros contundentes de um mal comportamento de um capitão, policiais militares. Um porta-voz da PM não pode se comportar como um advogado da corporação. Isso é um desrespeito à população. Ele não merece ser porta-voz de uma instituição Polícia Militar", declarou o governador.

O major disse que os policais militares que não socorreram e liberaram os supostos assaltantes que assassinaram o coordenador social do AfroReggae, Evandro Silva, cometeram um "desvio de conduta".

MAJOR MINIMIZOU

A Polícia Militar informou que o depoimento dos dois policiais suspeitos de desvio de conduta terminou apenas na manhã de quinta-feira (22), no Rio. Eles estão presos administrativamente no 13º BPM (Praça Tiradentes) desde a noite de quarta-feira (21). Gravações feitas por câmeras de segurança de estabelecimentos do Centro do Rio, exibidas no "Jornal da Globo" de quarta-feira (21), mostram o assalto que terminou com a morte de Evandro João da Silva, de 42 anos, coordenador do grupo AfroReggae, na madrugada de domingo (18).

O major Oderlei afirmou ainda que os policiais prestaram depoimento separaradamente. Em entrevista à Globo News, ele disse também que foi instaurado um procedimento apuratório, e que a prisão disciplinar tem o limite de 72 horas. Após esse prazo, a comandante do batalhão vai deliberar sobre a necessidade deles permanecerem presos ou ficarem em liberdade enquanto transcorre o procedimento. "Qualquer pessoa que fosse identificada na Justiça num primeiro momento não seria presa já que não houve flagrante. Somente na esfera militar é possível realizar essa prisão domiciliar. A PM está sendo rigorosa, mas não pode haver abuso", disse Oderlei. O major Oderlei afirmou também que foram pedidas as imagens sem edição que comprovariam o provável desvio de conduta dos policiais. "Já tivemos exemplos de imagens que mostravam uma coisa e era outra; não quer dizer que seja esse caso", afirmou ele.
Imagens em três câmeras
Segundo as imagens, os policiais teriam deixado os assaltantes fugirem, e teriam omitido socorro à vítima.
O crime aconteceu na madrugada de domingo (18) na Rua do Carmo, esquina com Rua do Ouvidor, e está sendo investigado por agentes da 1ª DP (Praça Mauá). Tudo ficou registrado em três câmeras. Uma delas, instalada em um prédio, mostra a chegada de dois criminosos, à 1h20 da madrugada. Outra câmera, posicionada dentro de uma agência bancária, registra o ataque. Segundo o registro, os criminosos aparecem lutando com a vítima. Em seguida, eles jogam Evandro, que está de camisa branca, no chão e atiram contra ele. Os assaltantes tiram os tênis e a jaqueta dele e fogem. Cerca de 30 segundos depois, uma patrulha da Polícia Militar passa direto por Evandro, que agoniza na calçada. A câmera anterior mostra por outro ângulo a fuga dos criminosos, com os pertences do coordenador na mão, e a chegada da polícia. Um dos policiais aparece com a arma em punho. A impressão que dá é a de que os policiais vão prender os assaltantes. Duas pessoas aparecem pela metade em imagens de um outra câmera. O PM surge com o tênis e a jaqueta vermelha da vítima, e leva tudo para dentro do carro da polícia. Ainda de acordo com as imagens do circuito de segurança, à 1h26m53s, quatro minutos depois da abordagem, um dos suspeitos aparece indo embora.
Comandante da PM pediu desculpas

Depois das declarações do major Oderlei, o comandante-geral da PM, coronel Mário Sérgio Duarte, na tarde de quinta-feira (22), pediu desculpas à família pela omissão de policiais. “A Polícia Militar está solidária com a família, já que havia uma pessoa agonizando. Não vamos permitir qualquer desvio de conduta. Nosso sentimento é de total indignação e solidariedade com a família. É ruim saber que policiais erram. Eles são preparados para agir em situações mais difíceis e agir nas ruas reprimindo delitos. É o que se espera deles”, disse. “A PM errou. Trabalhou mal. Temos que ser maduros e profissionais para admitir o erro. É imperativo pedir desculpas”, completou